14/12/2015
As indústrias que se beneficiaram da Lei do Bem, que concede incentivos fiscais para pesquisa e inovação, já reduzem investimentos, atrasam projetos, como os de novos medicamentos, e reorganizam centros de pesquisas no Brasil, com a demissão de profissionais qualificados, em reação à suspensão dos benefícios em 2016.
Como parte do programa de ajuste fiscal, o governo Dilma editou a medida provisória 694 em setembro, impedindo as empresas de usarem no próximo ano incentivos que reduzem o Imposto de Renda para, em troca, desenvolverem atividades de pesquisa e inovação no país.
O benefício vinha sendo utilizado há dez anos, desde que a lei nº 11.196, conhecida por Lei do Bem, foi criada.
A sua restrição põe em risco não só os avanços registrados em pesquisa e desenvolvimento (P&D) mas também atrasa a recuperação da economia, uma vez que as empresas se tornam mais defasadas, menos produtivas e têm mais dificuldade para competir no mercado global.
Sete empresas de grande porte entre as 11 que responderam os pedidos da reportagem relatam já sentir efeitos da suspensão da lei. No total 32 indústrias foram procuradas pela Folha em 11 segmentos (químico, farmacêutico, automotivo, alimentício, informática, por exemplo). Parte optou em não comentar em razão do cenário de incertezas econômicas e políticas.
A Vallée, empresa que criou uma vacina contra a febre aftosa com apoio da lei, reestruturou laboratórios e já reduziu em cerca de 30% a equipe envolvida no desenvolvimento de pesquisas.
“O atual cenário econômico e medidas como a suspensão da lei comprometem os investimentos”, diz Otto Mozer, diretor da companhia. “Não é somente a ausência da Lei do Bem que vem impactando negativamente na competitividade da indústria brasileira. Altas taxas de juros, redução do crédito às empresas, alta do dólar e carga elevada de impostos são alguns dos exemplos do fardo que a indústria brasileira carrega.”
Atualmente são cerca de cem pesquisadores atuando em projetos na empresa Vallée.
“Tirar a lei do bem neste momento é como restringir o oxigênio a um paciente quando ele mais precisa de recuperação. É muito triste”, diz Mozer.
PARA FORA
A transferência de recursos, projetos e mão de obra especializada para fora do país pode ser uma das consequências da falta de incentivos.
A consultoria Inventa, especializada em assessorar projetos de inovação, já foi procurada por três empresas que investem no Brasil para fazer estudos de viabilidade para levar centros de pesquisas para o exterior.
A retirada de incentivos ou a incerteza sobre sua manutenção afasta empresas que planejam vir para o Brasil, diz Christimara Garcia, sócia da consultoria.
“A suspensão da lei causa enorme insegurança jurídica nas decisões de investimentos em P&D, que já são baixos no país. O Brasil fica cada vez mais distante dos países desenvolvidos, de competir por investimentos globais e por centros de pesquisa das multinacionais”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp (federação das indústrias paulistas).
No Brasil, os incentivos fiscais para P&D representaram 0,02% do PIB em 2012, segundo o dado oficial mais recente disponível. Na França, foi de 0,26%; no Japão, 0,13%, em Portugal; 0,09%. Já nos EUA, representou 0,06% e na China, 0,06%, segundo dados da OCDE, (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), para 2013.
Levantamento feito pelo departamento da Fiesp com 75 empresas de todos os segmentos mostra que 17% já estudam transferir as atividades para o exterior. A estimativa é que R$ 2,8 bilhões deixem de ser investidos em 2016 com a restrição do incentivo da lei.
NO FIM DA FILA
A Biolab Farmacêutica, que investiu R$ 90 milhões em P&D neste ano e recebeu R$ 8 milhões em incentivos, vai colocar no fim da fila 14 dos 64 projetos em andamento. “Teremos que reduzir na carne. O menos importante será posto de lado. Se sobrar dinheiro, vai para projetos que estão no fim da fila. Se não, fica para 2017”, diz Dante Alario Junior, presidente científico da Biolab. “Faremos o possível para não demitir.” São 125 profissionais dedicados à pesquisa.
O grupo Cristália, que atua nas áreas de farmoquímica, farmacêutica e biotecnologia, também prevê atrasos em seus projetos. Entre os que podem ter prazos de entrega comprometidos, estão os de medicamentos em fase de testes clínicos para o tratamento de câncer de mama, artrite reumatoide, além de um hormônio do crescimento.
“Com a prática da lei do bem, teríamos em 2016 uma dedução de R$ 19 milhões de impostos, verba que seria destinada à pesquisa de novas tecnologias e que agora, com a suspensão da lei, ficou comprometida e deverá atrasar o desenvolvimento de novos planos”, diz Ogari Pacheco, presidente da Cristália.
Já as empresas 3M e a GE decidiram manter os investimentos, segundo informaram.
A Senior Solution, desenvolvedora de software para o mercado financeiro, deve reforçar seu planejamento tributário (estratégia para, dentro do que é permitido pela lei, reduzir seus impostos) para diminuir os impactos da suspensão da lei e ter caixa para seguir investindo.
Como exemplo, Fabrini de Carvalho Fontes, diretor financeiro da empresa, diz que a companhia prevê mudar o modo como remunera seus acionistas. Em vez de distribuir dividendos, ela planeja adotar o sistema de pagamento de juros sobre capital próprio, o que deve resultar em uma redução de 19% de tributos no valor distribuído.
REAÇÃO
A suspensão da lei provocou uma ofensiva de 58 associações empresariais. Em outubro, a Anpei (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras) enviou uma carta aberta para a presidente Dilma Rousseff, repudiando a possível perda do mecanismo de renúncia fiscal da lei em 2016.
A Anpei (que reúne empresas inovadoras) acredita que a MP, que precisa ser votada até março, pode ser revista.
Naldo Dantas, secretário-executivo da associação, diz que foram acrescentadas 28 emendas à Medida Provisória 694, que traz a suspensão.
Segundo ele, as emendas estão divididas em dois grupos: as que excluem o artigo prevendo a suspensão da Lei do Bem e as que o mantêm, mas garantem uma compensação futura às empresas, como a possibilidade de obter créditos em 2016 para abatimento de imposto no futuro.
Dantas diz que incentivos à inovação não são uma particularidade brasileira, mas estão presentes em economias desenvolvidas, como a dos EUA, França, Canadá e Coreia do Sul.
O Ministério de Ciência e Tecnologia admite que pode haver redução de investimentos em P&D no próximo ano, mas não sabe estimar o tamanho do impacto.