17/07/2013
Em 2001, o então ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, anunciou que o Brasil havia realizado “o maior acordo do mundo”. De fato, trabalhadores, empresários e governo, depois de longa negociação, decidiram cobrir o desequilíbrio econômico financeiro do FGTS, então identificado pelas autoridades da época. Feito o acordo, o Congresso aprovou a Lei Complementar 110/2001, que acrescentou 0,5% na alíquota mensal do FGTS – passando de 8% para 8,5% – e uma contribuição adicional de 10% no saldo do FGTS referente à indenização de dispensa sem justa causa, passando-a para 50%.
O déficit do FGTS foi integralmente coberto em 2006. Naquele ano caiu a cobrança do 0,5%, mas o adicional de 10% continuou, sem nenhuma razão de ser. Como o governo se manteve inerte, parlamentares apresentaram várias propostas para extinguilo. Uma delas foi o Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 200 que, após aprovado no Senado, foi debatido na Câmara e aprovado em 03/07/13 por 315 votos – uma aprovação inquestionável.
Surpreso, li em O Globo de 11/07/13 que o Ministério da Fazenda pretende sugerir à presidente que vete o referido projeto sob o argumento de que o Tesouro não pode dispensar recursos da ordem de R$ 3 bilhões por ano.
Ora, os referidos recursos nunca fizeram parte das receitas do governo, pois provinham de um recolhimento provisório e com destinação específica e não poderiam ser usados para outra finalidade.
Ou seja, coberto o déficit do FGTS, o adicional de 10% perdeu a razão de existir e por isso foi extinto. Todo o mais se resume a manobras oportunistas. Uma delas foi urdida antes da aprovação do PLP 200.
Explico: no dia da discussão do PLP 200, o deputado Arthur Lira (PP/AL) apresentou o PL 5.844/2013, que pretendia vincular os recursos dos 10%, de forma permanente, ao Programa Minha Casa, Minha Vida, querendo com isso induzir os deputados a votarem em favor de uma ação de inegável alcance social. Na ocasião, suspeitou-se de que o verdadeiro autor do novo projeto de lei era o Poder Executivo – o que parece estar se confirmando (agora) com a referida movimentação do Ministério da Fazenda.
Essas manobras chocam muito. Sim, porque, nas relações do trabalho, a boa-fé na negociação é uma virtude sagrada e o cumprimento do acordo é sacrossanto. O veto jogaria por terra a palavra empenhada pelo governo. Isso não pode acontecer, sob pena de se desmoralizar o processo de negociação.
Convenhamos. É inadmissível desrespeitar o maior acordo do mundo por meio de um expediente que não encontra fundamento na lógica, no bom senso e nas regras que regem o relacionamento respeitoso entre as partes. Por isso, o governo tem de honrar o acordado e, se achar necessário, que apresente um projeto de lei específico para reforçar o Programa Minha Casa, Minha Vida, captando recursos de outra fonte que não a folha de salários.
O resultado econômico de um eventual veto faria aumentar ainda mais a conta dos encargos sociais sobre o trabalho, no momento em que o próprio governo faz um enorme esforço para desonerar a folha de pagamento. Seria um irreparável desserviço à economia nacional numa quadra em que o Brasil acaba de cair da 32.ª para a 51.ª posição no ranking de competitividade entre as 60 nações pesquisadas pelo IMD da Suíça.
O quadro econômico já é preocupante e não pode se agravar. Não acredito que o governo venha nos empurrar para o abismo dos países do sul da Europa, que estão sendo obrigados a promover dolorosos cortes nos salários e nas aposentadorias dos trabalhadores por incapacidade das empresas e das nações honrarem os compromissos que assumiram. Os brasileiros não merecem isso. Dilma haverá de considerar tais prejuízos e, com isso, respeitar o acordo e a decisão do Congresso.
José Pastore é professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração e membro da Academia Paulista de Letras.